Para começar será difícil falar ou escrever pouco sobre esse assunto. Afinal, na mesma proporção que o vídeo se alastra pelas redes sociais mundo afora, se multiplicam as discussões sobre o que de fato está em questão e o grau de sua importância.
Resumindo, desde o início: sim, o fato é grave e sim, é muito importante. Já se foi o tempo que o termo Homem com “H” era sinônimo de honra, honestidade, habilidade, humanidade etc. Hoje, o tal Homem com “H”, muito bem representado na Rússia pelos nossos compatriotas, sem dúvida é a síntese de umas tantas outras palavras como: horrível, horrendo, hipócrita, hostil e por ai vai... Ah! Importante: a palavra idiota, por força da lei (lei da impunidade) em breve também passará a ser escrita com “h”.
Nós brasileiros somos, como povo, realmente dignos de pesquisa e estudos científicos. Há décadas tratamos a mulher, socioculturalmente, como um ser inferior e, quase sempre, como mero objeto de prazer. E, de repente, ficamos surpresos e indignados pelo comportamento dos nossos “irmãos” brasileiros na Copa do Mundo? Se toleramos, consumimos, apoiamos e até incentivamos a produção de conteúdos audiovisuais que ridicularizam a figura feminina no Brasil, por que o espanto agora?
Charles Chaplin, por meio de um de seus personagens, disse um dia: “os números santificam”. Enquanto milhões de brasileiros, homens e mulheres, ouvem e compram música funk que denigre a mulher, escolhem a marca de cerveja pelo tamanho do biquíni da modelo que faz a propaganda e são conhecidos no mundo inteiro como um povo alegre e hospitaleiro, os meia dúzia de infelizes do vídeo agora são execrados, excomungados, julgados e sumariamente condenados, como se eles não fossem parte do todo que somos.
Nosso problema é bem maior. A falta do reconhecimento e da valorização da mulher no Brasil é tão grande que, se enumeradas, não haveria espaço físico para escrevermos tudo. Do assédio sofrido, diariamente, por centenas de mulheres que dependem do transporte público, passando pela impunidade diante das ameaças e terminando pela precariedade do atendimento à saúde. O atual “respeito” à mulher é, no mínimo, uma mentira deslavada que insistentemente tenta convencer uma sociedade inteira a acreditar que nossos governantes têm feito muito. Progredimos, é verdade, mas nem tanto quanto pensamos.
O assédio praticado por indivíduos miseráveis (na alma), a ameaça praticada por “apaixonados” (por si só) e a precariedade da saúde pública, nos leva a acreditar que a culpa é toda do governo. Com certeza, se houvesse mais investimento em mamógrafos do que em estádios de futebol, a mulher estaria de fato sendo mais respeitada e amada neste país. Contudo, a culpa não é só do governo, mas de toda a sociedade.
Ainda remuneramos mal as mulheres, ainda somos uma sociedade machista e deselegante (visivelmente, já é uma raridade alguém se levantar e dar seu lugar a uma mulher em um evento qualquer ou em um ônibus lotado).
Somos culpados também ao impormos, por meio da mídia e de forma absurdamente insistente, padrões de beleza inatingíveis, escravizamos as mulheres a viver um mundo de consumo desenfreado e de constante busca pela juventude eterna, esse o maior dos erros.
Enfim, o tal vídeo expõe de forma desastrosa a face do machismo que ainda impera em nosso país e aponta a necessidade de refletirmos sobre o assunto e sobre a necessidade de o enfrentarmos desde suas mais profundas raízes.
Se alguém ainda tem dúvida se o que aconteceu é grave basta, corajosamente e mentalmente, imaginar a própria mãe, irmã, esposa ou filha no lugar da jovem russa.
Diante de tudo, seria bom que os envolvidos se desculpassem pelo feito e quem sabe, caso esse este texto chegue até nossa seleção canarinho e a motive, que na próxima sexta nossos jogadores entrassem em campo com fitas cor-de-rosa amarradas nos braços, mostrando que no Brasil ainda existem muitos homens com “H” (o bom “H”).
Escrito e publicado em 07/06/2018